«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, setembro 26, 2011

Povo que mais ordena visto como rebanho a partir de qualquer púlpito


Se em 9 de Outubro o povo der a maioria ao partido governante é considerado ignorante e se a retirar deixa de ser ignorante?
Subestimar e desvalorizar as pessoas e os eleitores é um erro crasso. Tanta gente a votar num sentido é ignorância? Nem todos andam alucinados ou inconscientes. Por muito que custe, não é explicação. Quer-se dizer que os eleitores da Madeira são eleitores de segunda?

Não é o povo que mais ordena? Que sentido faz andar com o povo na boca e depois dizer que é míope, que se deixa enganar e coisas que tal?

É um erro a ideia desculpabilizante dos coitadinhos e indefesos, como se as pessoas fossem ingénuas, inaptas ou mesmo imbecis (rebanho) e não fossem capazes de ajuizar e escolher, em consciência e com lucidez... Como se nada pudessem fazer. Como se a mudança não estivesse nas suas mãos. Não gosto que se olhe o chamado povo a partir de um pedestal, de um palanque, de uma tribuna ou de um púlpito.

Isto ficou escrito no Madeirenses vão ter de assumir os prejuízos após os benefícios e mesmo no Medo intrínseco e não apenas extrínseco. Ora, depois de nos últimos dias ouvir cada vez mais gente a olhar de cima para baixo para esse povo, há que dizer mais alguma coisa. Porque até não me coloco à parte, elitisticamente, desse povo que, para com qualidades e defeitos, é o meu povo. Eu também sou povo.

Um ponto prévio, para evitar mal entendidos: neste blogue, desde sempre, há uns anitos a esta parte, se tem apontado a falta de massa crítica nos madeirenses e a pouca intervenção da sociedade civil na vida pública, entre outros males endémicos como a inveja ou a confusão entre o acessório e o principal. Há razões culturais, sociais e históricas que explicarão que assim seja, mas deixo isso para quem conhece mais do que eu.

Dito isto, há que esclarecer duas coisas:
a) A falta de massa crítica (ou ignorância como alguns preferem) faz-se sentir em todos os sectores da vida madeirense, sem excepção, não se pense que é apenas entre as massas populares, por mais que as elites gostem de pensar o contrário e de imaginar-se com muita qualidade;
b) Essa falta de massa crítica (e cultura política) não equivale a que as pessoas sejam ignorantes e não tenham consciência mínima do sentido do seu voto, isto é, que votem sem querer, telecomandados. Os condicionamentos democráticos (vasto emprego público, dependências numa terra pequena, etc) não explicam tudo.

Há quem procure justificar (e não aceitar) as opções eleitorais expressas pela maioria de um povo considerando-o ignorante. O tal que mais ordena... mas só quando faz o que a gente quer... Eu também tive essa tentação quando me bati por determinadas causas cívicas e a atitude/opção dos meus concidadãos não corresponderam às minhas expectativas (assim não colocava em causa o mérito das minhas estratégias e acções).

Foi e tem sido um erro de certa oposição política ou cívica na Madeira. Assim se justifica mais facilmente as próprias insuficiências dessa oposição. O problema é o povo e não as razões pelas quais esse povo toma certas opções eleitorais.

E se experimentassem descer dos púlpitos e dos palcos e compreender melhor as razões das escolhas eleitorais desse povo nos últimos 33 anos, que não seja a ignorância a justificação?

Serve de alguma coisa olhar os concidadãos como um rebanho (míope, que não quer ver, instrumentalizado, enganado, inapto ou ignorante), tenham os defeitos que tiverem? Como se a experiência e a sabedoria colhida da vida de nada valessem?

Não significa que concordo com as opções da maioria dos madeirenses. Há muito, mas sobretudo desde o ano 2000, que havia muitos sinais de saturação de determinado modelo de desenvolvimento (que bem evidenciou o Lost Jewel of the Atlantic, causa com a qual estive activamente comprometido) e de certos métodos de gestão e governação da res publica. Há muito que deveria ter havido condições para a alternância política na Região. A realidade, as circunstâncias e o voto secreto nas urnas não decidiram dessa forma.

Se em 9 de Outubro o povo der a maioria ao partido governante é considerado ignorante e se a retirar deixa de ser ignorante? Num quadro democrático, ou se aceita a vontade expressa pela maioria ou então procuramos impor a nossa vontade unilateralmente e à força sobre a maioria.

Nessa lógica do voto ignorante, teria de ser revisto o princípio democrático em que cada voto vale o mesmo. Arranjavamos um detector de ignorância ou falta de massa crítica e decidiamos que cidadãos teriam um voto que valesse mais do que o dos outros, que fosse um voto mais soberano...

O discurso anda radicalizado, com a ansiedade dos ajustes de contas e do confronto, mas é preciso saber se os radicalismos, de qualquer lado, é o que mais serve o futuro difícil que a Madeira vai enfrentar, pela situação financeira em que foi colocada (entalada) pelo Governo Regional.
Pois, eu sei. Os moderados correm riscos se não embarcam na acção radical e alucinada (e na euforia). Não basta ser crítico. A visão serena e plural da realidade é tomada como perigosa, intermitente ou situacionista.

Curioso é a mudança ter sido detonada pela troika e irá ser consumada pela troika, nos próximos tempos, à medida em quem o remédio (plano de reajustamento financeiro) começar a ser aplicado na Madeira (não há mão de ferro ou poder que um dia não caia ou povo que, de tanto aguentar, um dia não exploda). Da austeridade que aí vem brutará o sobressalto cívico. Uma verdadeira revolução. A troika é quem mais ordena neste momento...

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